O dia em que eu renasci

Agosto e início de setembro de 2024 foi um período bem esquisito. Sentimentos, emoções e minha vida prática ficaram de pernas para o ar. E embora tenha sido em meio às férias das crianças, eu sinto que teve pouco a ver com isso. Ajudou a bagunçar mais o coreto mas não foi gatilho. Dentro de um conjunto de influências para este período, vamos dizer, de conturbação interna, posso somar o mercúrio retrógrado com a frustração de não ter viajado de férias, eventuais questões hormonais da perimenopausa... Mas não, não foi essa soma o gatilho. Porque o que veio foi muito, mas muito mais forte.

 

Um tsunami, em específico, me levou de encontro uma realidade que eu vinha constando há uns meses: desde o início de 2024, vinha constantemente à minha mente o fato de que os anos sem a minha mãe se equiparariam com os anos que estive com ela. 4 de Setembro de 2024 completou 26 anos de sua morte. E eu com 52 anos.

Até então vinha sendo só uma constatação, quase racional, até onde este tema pode ser. Mas, em determinado momento, deparei-me com o pensamento de que “daqui uns dias vou ter mais anos sem minha mãe do que com ela” frequentemente vindo à tona; como um pressentimento de que algo maior estaria por vir.

 

Para isso, relato a seguir, de forma a deixar mais claro o que foram estes 26 anos sem ela.

 

Eu nunca lembro dessa data de 4 de setembro. Ela sempre passa batido, quando lembro já passou. Lembro e aguardo pela data de seu aniversário, 27 de maio, mas, nunca pela data de morte.

Muitas vezes preciso fazer conta de há quanto tempo ela morreu, diferente de muita gente que tem essa dor na ponta da língua.

Quando ela morreu, eu passei por momento de muita dor, claro. Mas eu sabia que as maiores dores eu sentiria nos anos seguintes. As conquistas, as viagens, experiências, as dificuldades...  não compartilhadas. Meus filhos gerados, minha casa comprada, minhas mudanças. Além das muitas vivências especiais juntas que não seriam mais possíveis. Essa dor para mim ainda viria. E deixei para sentí-las assim aos poucos, conforme minha vida ia passando... E assim, suprimi a dor mais forte, o luto, o choro naquele setembro de 1998.

 

E aí, o 2024 chegou. E a cada dia, tenho mais tempo sem ela do que com ela. Daí penso que, se eu tivesse nascendo agora, os próximos 26 anos seriam o equivalente ao tempo que tive com ela em vida. Aos 78 anos eu a perderia. Foi bastante tempo de convivência, mas não foi. Foi pouco. Até os 78 é pouco tempo. E há tanto o que fazer... considerando quase 20 anos de pouca sabedoria (no meu caso, onde tudo veio com 10 anos de delay, posso dizer até 30 anos de imaturidade) terei os próximos 26 de muita produtividade, construção, evolução. Me sinto mais forte assim.

 

Desde os 49 anos venho olhando para mim de forma diferente. Me odiando primeiro, depois me desprezando, depois me simpatizando e então passando a gostar e até me amar, finalmente. Os 50 anos me trouxeram essa autoestima e a coragem de ser eu mesma.

 

Com isso, aquele Agosto/Setembro de 2024, culminou no que venho entendendo como renascimento. Naquela semana sonhei com a minha morte e quando acordei entendi: uma nova Daniela está nascendo. Conectei então os fatos: serei parida. Como lá em 1972. Agora sem a minha mãe de fato. Nunca existiu 27º ano com ela. Adentro ao meu 1º ano, órfã.

 

Só sei que esta data de 4 de setembro não passará mais batido.

 

No mergulho do autoconhecimento e a cura de traumas reais ou os contados pela nossa cabecinha, me veio de que tudo aquilo que confrontei e não confrontei dentro da minha relação com a minha mãe, estava se dissipando. Como aquele momento presente que só existe por causa de um passado, que não existe mais, vai se desintegrando. Sem qualquer necessidade de entendimento, perdão, ritual. Simplesmente não existe mais. Minha vida é essa agora, daqui para frente.

 

O que fica, é minha ancestralidade, e ela faz parte disso. No meu DNA e na dos meus filhos, está impresso a sua vivência, suas dores e alegrias. Sua alegria de viver, sua generosidade, sua habilidade em fazer pratos deliciosos, sua capacidade de juntar todos para a celebração da vida, seus sonhos, sua beleza. E eu estarei aqui nos próximos 26, 52 anos para honrar.

Hoje, Ude, você se junta a todas as mulheres ancestrais que tanto admiro, que me fortalecem e que me fazem renascer a cada dia. Mais forte e mais bela. Mais capaz e produtiva. Mais inteligente e sábia. Mais dona de mim.

Toda a minha gratidão em vida e depois dela.

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